segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Memórias: Cheiro de Pará

Walber Torres recebeu uma brilhante carta da Jornalista Rendeiro residente em Ribeirão Preto - SP, me enviou eu divido com todos aqueles que acompanham o blog  Interferência social. "A
Jornalista, sentindo esse cheiro de PARÁ fervendo, resolveu escrever um pouco de sua história, de nossa história e de tantos papa-chibé que estão espalhados por esse mundão. Vejam o que ela nos canta".


PARA OS QUE QUEREM DIVIDIR MEU PARÁ

(Agradecimento ao Raimundo Mário Sobral, que no seu dicionário Papachibé me ajudou a recordar muitas expressões e ao Mauro Magalhães que leu e incrementou mais o texto).

Sou da terra onde a Lobrás se chamava 4 e 4 e se ia lá pra comprar fechoeclair e trocar aquele que escangalhou na velha calça que fica no redengue. No rumo da Presidente Vargas uma parada para... a merenda no Jangadeiro:garapa e pastel eram os meus preferidos, mesmo que eu me sentisse depois empanturrada, com vontade de bardear dentro do ônibus Aero Clube. Às vezes o piriri era inevitável. Mal dava tempo de chegar em casa.
Ahh a minha casa... Morei anos e anos na Baixa da Conselheiro e um dos meus divertimentos preferidos era pegar água na cacimba da Gentil. Sempre fui meio alesada e deixava boa parte da água pelo caminho. O balde chegava quase sem nada, motivo pra ouvir da minha avó: não te brigo nem te falo, só te olho.
Na minha terra não se empina pipa, mas papagaio, curica e cangula, sempre olhando pra ver se eles não estão no leso e nunca deixando a linha emboletar. Depois do laço, a comemoração, maior ainda se cortou e aparou. Se perdeu a frase inevitável: laufoiele. Era um segurando o brinquedo artesanal feito de qualquer papel, enquanto o outro gritava de longe: larga ! E o empinador sai correndo. Não gostava dessa função, sempre me abostava e os meninos eram implacáveis: cheira lambão, a velha caiu no chão e depois ainda me arremedavam...
Peteca ou fura-fura eram mais compatíveis com a minha leseira. Um triângulo desenhado no chão e dentro dele as pequenas bolinhas de vidro. Tirou de lá, ganhou a que saiu ou quem conseguia o tel. No fura-fura era essencial amolar bem a ponta do arame e sair jogando, emendando um ponto a outro sem nunca deixar que o adversário nos cercasse.
Lá na minha terra peixe não fede, tem pitiú e quem não toma banho direito tem piché. Gostamos de ser chamados de papa-chibé, aquele que adora uma farinha e que faz miséria com ela. Manga com farinha, doce de cupuaçu com farinha, sopa com farinha, macarrão com farinha. Um caribé bem quente, ralinho serve pra dar sustança ao doente e um chibé é excelente com peixe fritinho. Farinha só é ruim quando dizem: ihhh ta mais aparpada que farinha de feira !
O pirão do açaí é quase um ritual... Pode-se usar farinha d’água baguda ou mesmo a fina amarela, mas nada melhor que uma farinha de tapioca bem torradinha. Depois de tomar uma cuia bem cheia (meio litro em diante), daquele um, tipo papa é inevitável deixar a mesa todo breado e empanturrado. A barriga por acolá de tão cheia. Hora de ir para rede reparadora. Uma hora de momó é suficiente pra curar aquele despombalecimento.
A gastronomia na minha terra é tudo de bom. Se não tem pão comemos tapioquinha com manteiga ou pupunha no café, quem sabe até um bolo de milho recém-saído do forno com uma manteiga por cima da fatia, derretendo. O pão pequeno é careca e o curau, canjica e a canjica, mingau de milho. Tem gente que não gosta e ficava encarnando que esses pratos não são típicos. Preferem uma unha com bem pimenta ou um beijo de moça bem torradinho.
Na minha infância o doce que mais consumíamos, em frente ao Grupo era o quebra-queixo. De amendoim ou de gergelim. O risco era ele cair na panela que sempre havia na boca da molecada. A dor era insuportável! Muitas vezes voltei pra casa correndo, debaixo de chuva pra colocar álcool no dente, adormecer até a panela parar de doer. – Vai na chuva mesmo? – Claro não sou beiju !
Nossa Senhora de Nazaré, pela intimidade que temos com Ela, pode ser chamada carinhosamente de Naza e a erisipela de izipla. Cabelos grossos e cortados curtos viram espeta caju e quem pede muito é pirangueiro, filho de pipira. É proibido malinar, andar fedorento, ser um pirento inconveniente, desses que arrancam o cascão.
Embora politicamente incorreto, adoro lembrar o “carro da phebo” passando e os lixeiros invocados tendo que ouvir esses gracejos.
Quantas vezes ouvi da minha avó, da minha mãe: - So te digo vai ! ou de uma amiga pedindo para que a gente se demorasse mais um pouco: - Espere o vinho de cupu. E o calendário paraense que além do ontem tem o dontonte e o tresontonte ?
Nos orgulhamos de falar tu e conjugá-lo corretamente, mas quem nunca ouviu essa frase? – Passasse por mim me olhasse, fizesse que nem me visse, nem falasse.
Esse é o meu Pará que querem dividir. Retalhar não só o território, mas as falas, as tradições, a cultura, a sua História. Minha terra correndo o risco de não ser esse colo materno único, ímpar, que acolhe, que abriga da chuva, que nos enche de orgulho de ser não apenas Belém, mas Alter do Chão, Bragança, Soure, Altamira, Conceição do Araguaia, Ourém, Alenquer, Curucá ...
Talvez os que acreditam que a divisão é o melhor tenham batido na mãe, comido manga com febre e não entendido a metade do que está escrito aqui ! (RUTH RENDEIRO)

sábado, 12 de novembro de 2011

O TRABALHO E SUAS METAMORFOSES

Amigo de longas datas, KLEINER nos presenteia com inteligente artigo sobre a metamoforse do trabalho. Conceito construido por Mezàros, recoloca o marxismo em foco, como teoria e como prática social.

           Desde que o homem surgiu enquanto tal, o trabalho passou a fazer parte do seu cotidiano como fator essencial para organização da sociedade e na produção dos bens e serviços necessários a sua existência. O trabalho é uma condição específica do homem e está associado a certo nível de desenvolvimento dos instrumentos de trabalho (grau de aperfeiçoamento das forças produtivas) e da divisão da atividade produtiva entre os diversos membros de um agrupamento social. Assim, o trabalho assumiu formas particulares nos diversos modos de produção que se consolidaram ao longo da história humana Nas  comunidades primitivas tinha caráter solidário, coletivo, ao passo que nas sociedades de classe (escravista,feudal e capitalista) tornou-se alienado, opressor e coercitivo para milhares de seres humanos.

           Na Roma antiga e depois durante o todo o Feudalismo, o trabalho e o trabalhador eram visto como algo menor, longe do ideal de homem a ser perseguido naquela época. Com a implosão do antigo regime e com advento do capitalismo a visão de mundo individualista subjacente ao liberalismo clássico, tornou-se a ideologia dominante desse novo sistema econômico, que estruturou seu credo político e psicológico em quatro pressupostos básicos da natureza humana. Os ideólogos do liberalismo sustentavam que todo homem é egoísta, frio, calculista e essencialmente atomista. Figura como Hobbes, com sua tese sobre o egoísmo humano e posteriormente Jeremy Bentham com seu hedonismo psicológico, afirmando que “todas as ações são motivadas pelo desejo de obter o prazer e evitar a dor “e ainda, pensadores eminentes desse período como John Locke, Bernard Mandeville, David Hartley, Abraham Tucker e Adam Smith, atribuíram ao intelecto humano um papel extremamente significativo.

          Mesmo que todas as motivações tenham origem na dor, as decisões que os indivíduos tomam quanto a que prazeres ou dores buscar ou evitar estribam-se numa avaliação fria e racional das situações. Para eles, é a razão quem dita à necessidade de avaliar todas as alternativas que determinada situação coloca para que a escolha recaia sobre a quem oferece o Máximo de prazer e o mínimo de dor. Bem, aí está à vertente calculista e intelectual da teoria psicológica do liberalismo clássico que confere ênfase a avaliação racional dos prazeres e dores e, em contrapartida, o menosprezo pelo capricho, o instinto, o hábito o costume e as convenções.

          A visão de que os indivíduos são essencialmente inertes resulta da noção de que a busca do prazer e a rejeição a dor constituem os únicos estímulos do homem. Ou seja, se os homens não encontrassem atividades que lhes proporcionassem prazeres ou dor ficariam reduzidos à inércia, a imobilidade e a indolência. A conseqüência prática dessa doutrina foi à crença largamente difundida na época, de que os trabalhadores eram incuravelmente preguiçosos. E que somente uma grande recompensa, ou o pavor da fome e de outras privações os obrigaria trabalhar.

        Essa visão preconceituosa sempre norteou o pensamento das elites nas sociedades de classe, mesmo com a evolução dos modos de produção e das transformações ocorridas no mundo do trabalho, do Escravagismo ao capitalismo com sua ideologia liberal, a classe trabalhadora, “ou classe que vive do trabalho”, ainda continua distante do lugar que merecidamente lhe cabe nesta sociedade. Embora, tenha conquistado a duras penas uma certa qualidade de vida nos países capitalistas centrais, uma quantidades enormes de trabalhadores na periferia do sistema sobrevivem à margem de seus direitos básicos, sem escola, sem saúde, sem alimentação adequada, sem cidadania sem  futuro.

       Com o advento da globalização a situação se complicou ainda mais, pois o poder de barganha dos trabalhadores diminuiu consideravelmente com o enfraquecimento dos sindicatos, que agora lutam para manter o emprego e não mais para transformar a sociedade. A ameaça constante do desemprego gerado pela automação e pela reorganização da produção em escala planetária abalou de forma colossal o cotidiano dos trabalhadores em todo mundo. Mesmo nos países centrais,aceita-se a redução de salário com vista à manutenção do emprego. Em alguns países europeus essa tática não funcionou, pois trouxe prejuízos para a qualidade dos produtos que foram considerados inferiores aqueles produzidos por trabalhadores que recebiam salários integrais.

      E como se não bastasse, nos países em que se adotou o modelo de organização da produção e do trabalho conhecido como Toyotismo, a situação é muito pior. Aqui o trabalho alcança ritmos de pressão e desgaste físico sem precedente em toda a história do trabalho assalariado. Sabe-se que a exploração máxima do trabalho é marca registrada do capitalismo no aprofundamento de suas relações fundamentais, porém a espoliação do trabalhador no sistema japonês não tem comparação na historia. As características principais desse sistema são: “autonomação” gerenciamento JIT, trabalho em equipe, management by stress, flexibilidade da força de trabalho, subcontratação  e gerenciamento participativo.

       “Autonomação” é uma palavra que combina os conceitos de autônomo e automação. Não significa apenas, funcionamento automático, mas parada em caso de defeitos. Essa técnica não foi introduzida na forma com se usava na industria têxtil, na qual as máquinas tinham o controle autônomo dos defeitos, o qual garante o funcionamento e parada automática no caso de defeito na operação de fabricação e permite a máquina funcionar só sem interrupção e sem supervisores. O JIT ou O just- in- time é uma forma de gerenciar  a produção bem diferente da utilizada pelos princípios fordistas,os quais se sustentam num ordenamento que se inicia com a produção em massa, deixando para pensar depois na distribuição na venda . Com o JIT, a produção é acionada pela demanda que,  (venda) que, através dos comandos sucessivos, disponibiliza componentes no lugar, hora e quantidade necessários à fabricação das unidades desejadas, vendidas antecipadamente. Isso livra a empresa da preocupação de trabalhar com estoque, fazendo com que haja uma perfeita sintonia entre a estratégia de produção e a estratégia de mercado. Os efeitos dessa racionalização sobre o trabalho são brutais, pois permitem o aproveitamento completo da jornada, diminuindo todos os mínimos espaços de tempo e movimento que possivelmente a linha fordistas tenha deixado escapar.

     Juntando todas essas características, temos aí a expressão: management by stress  que significa direção da produção por estresse. Creio que somente esta expressão sintetiza bem

o que é viver sob esta forma de organização da produção para milhões de trabalhadores. E assim, diante de condições tão adversas sem nenhuma alternativa concreta ao modo de produção vigente, chegamos a mais um 1° de maio, dia em que sobram motivos para refletir e faltam razões para comemorar. Contudo, se pensarmos que todos os modelos de organização das sociedades foram construções sociais, ainda podemos ter esperança, pois tudo que foi socialmente construído, também pode ser desconstruído e isto a história já provou ser verdade.            

             

                                                     KLEINER JOSÉ FRUTUOSO MICHILES.